Apareci entre um casal de dois irmãos bem mais velhos, já adolescentes com treze e catorze anos. O meu irmão começou a trabalhar com catorze anos e tirou um curso nocturno completando o actual 9º ano; relativamente à minha irmã acabou os estudos no 4º ano porque sabendo ler e escrever, era considerado suficiente para uma rapariga. Esta era a mentalidade da época. Depois também começou a trabalhar é claro que da minha infância não há memórias de brincadeiras ou relacionamentos com os meus irmãos. Meu pai tinha como habilitações escolares a 4ª classe e era uma pessoa bastante conservadora, com a mente fechada parou no tempo e não evoluiu como pessoa, e, com toda a sua tirania jamais aceitou discutir uma ideia, porque a única opinião que contava era a dele. Em relação à minha mãe a história é outra, mulher submissa ao seu marido, bastante aberta a novidades, ainda que, ao contrário dele era analfabeta. Contudo, por algum motivo que desconheço e só me ocorre a sua superprotecção, não era senhora de me deixar relacionar com meninos e meninas da minha idade. Então passava bastante tempo em casa ou no quintal já que morávamos numa casa com essa vantagem. Tinha muito poucos amigos pelo menos até à entrada na escola primária, apenas os vizinhos da casa ao lado. Ainda assim consegui a “proeza” de tomar uma refeição de detergente para lavagem de louça que me ofereceu uma viagem ao hospital para lavagem ao estômago, um pé partido quando tentei uma boleia de moto dum vizinho e a cabeça partida ao escorregar e bater na pedra do lavadouro. À parte destes incidentes fui uma criança saudável, apenas contraí papeira e sarampo. As lembranças que me ocorrem do seio familiar eram de violência doméstica, a sensação que perdura até hoje é da ausência do meu pai, que passava grande parte do tempo no local onde trabalhava. Noites e dias sem a sua presença e, quando a família estava reunida, surgia a violência do meu pai sobre a minha mãe ou o meu irmão, que me deixava num estado de revolta e ao mesmo tempo impotente para poder ajudar.

Sempre me senti uma pessoa diferente, não gostava de rir porque o meu riso era diferente, nem falar porque o falar era diferente. Não suportava dias de festa, Natais, aniversários e outros porque a ideia de violência me surgia logo de seguida. Penso que foram estes factores que fizeram de mim uma criança dotada de uma timidez exagerada. Não posso portanto afirmar que tive uma infância feliz, posso sim dizer que nasci fora do tempo porque o meu tempo devia estar mais à frente. Se eu acreditasse em vidas paralelas diria que noutro “plano” foi tudo diferente. No entanto, como uma roseira que tem espinhos e uma flor bela, devo aos meus pais tudo o que me transmitiram e eu aprendi relativo a valores morais, boas práticas sociais e responsabilidade.

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